quinta-feira, junho 21, 2007


INVASORES

Vi o sol nascendo. Vi as correntezas no mar se espalhando e indo em frente como animais indomáveis. Senti o cheiro da lua e afaguei rochas que talvez nenhum de vocês virá a conhecer. Existi e existo há mais tempo do que qualquer dos mais antigos possa se lembrar. Por isso foi escolhido para contar a história. É para ouvi-la que, de tempos em tempos, nos reunimos, flutuando languidamente e soltando aromas familiares.
Falo de um tempo quase esquecido em que estranhos nos visitaram. Vieram do vácuo, onde não há som. Talvez por isso sua mãe roncou estrondosamente enquanto descia, pesada e sólida, na direção do solo. Uma vez lá, ela abriu sua barriga e soltou seus filhos.
Eram seres bizarros. Sua feiúra ia a tal ponto que se mantinham em uma forma estável, como sua mãe. Para os mais jovens, tal coisa pode parecer impossível, mas a verdade é que se contentavam com uma única forma, sem mudá-la. Até mesmo as coisas sem vida estão em constante transformação. As águas cavam os leitos dos rios e não há uma única vez em que eu olhe para elas sem observar um novo detalhe. As montanhas e as pedras transformam-se. Às vezes lenta, às vezes abruptamente.
Mas aqueles seres não mudavam. E, no entanto, se movimentavam, alternando os dois tentáculos inferiores. Tinham mais outros dois tentáculos na parte superior, que usavam para agarrar as coisas. Acima do conjunto havia uma protuberância munida de uma cavidade através da qual emitiam sons estranhos. Eram seres compactos e sólidos e seu cheiro era dos piores que já senti.
No começo nós os ignoramos porque, devido ao seu aroma pouco atrativo, não serviam de alimento para nosso povo. Mas, então, começaram a espalhar sua doença de estabilidade pelo solo. Criaram coisas enormes, sólidas como as rochas mais duras ... e moravam nelas. Nunca vi uma dessas coisas se transformar. Tivemos medo de que dessem cria e se espalhassem por todo o solo. Resolvemos destruir os pequenos seres que as construíam com seus tentáculos. Alguns de nós cogitaram devorar-lhes o cheiro, mas era horrível demais para ser tragado.
Boiamos no ar, ocupados com o desafio de nos livrarmos da imobilidade trazida pelos invasores. Descobrimos, então, que eram sensíveis a certos gases. Nós manipulamos as plantas da flotilha para que liberassem no ar o seu aroma. Um dos invasores, embora não mudasse de forma, ficou imóvel. E isso era já um alívio. Seu cheiro, devo dizer, melhorou. O primeiro sucesso nos animou a fazer outras tentativas. Assim, manipulamos todos os tipos de plantas e eles foram se tornando inertes um a um.
O último deles entrou na mãe e fez com ela tanto barulho e acendeu tantas luzes que parecia querer nos espantar. A mãe levantou no ar e depois caiu, em chamas.
Foi assim, meus filhos, que nos livramos dos invasores. Continuassem aqui e nos condenariam com sua ditadura de formas fixas.
É por isso que nos reunimos de tempos em tempos. Não para soltar nossos aromas de acasalamento, ou para volatizar com velhos companheiros, mas para contar como, há um tempo quase esquecido, fomos invadidos por pequenas e perigosas criaturas chamadas seres humanos... e como nos livramos delas.

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