quarta-feira, abril 29, 2009

Borges, el memorioso


Se estivesse vivo, o escritor argentino Jorge Luís Borges estaria com aproximadamente 110 anos em 24 de agosto deste ano. Em seu centenário ele é festejado como o principal escritor latino-americano deste século (quiçá o melhor do mundo). Sua importância é tão grande que há um site dinarquês deestudo de sua obra. Entre os pesquisadores integrantes ou colaboradores do centro estão filósofos, semióticos, críticos literários e até escritores famosos, como Umberto Eco.

Fui apresentado a Borges em 1994. Um colega de redação me emprestou o seu livro O Aleph. O conto principal falava de um porão de um casa antiga de Buenos Aires. Lá o personagem principal havia encontrado o Aleph uma esfera da qual se poderia observar todo o universo.
Na época fiquei tão empolgado com a idéia que escrevi minha versão do Aleph, analisando a esfera do ponto de vista da teoria do caos. Meu conto foi publicado em revistas e fanzines de ficção-científica.
Mais recentemente, escrevi um conto chamado “Abelardo ou farsa borgeana” em que atores criam um personagem e acabam sendo mortos por ele. Mais uma vez, paguei meu tributo ao escritor argentino.
Embora seja extremamente literário, Borges acabou influenciando outras mídias. Quase toda a nova geração de roteiristas brasileiros de quadrinhos beberam na sua fonte. E os principais roteiristas britânicos,como Alan Moore (Watchmen) e Neil Gaiman (Sandman) o citam
como influência. Os jardins do Destino, de Sandman, são uma clara referência ao conto A Estrada dos Caminhos que se Bifurcam.
Mas o que torna Borges tão fascinante? Certamente há pessoas mais abalizadas que eu para explicar a importância do autor de Aleph, mas vou tentar numerar algumas características que o distinguem de outros escritores.
Primeiro, claro, a capacidade de síntese. Borges conseguia resumir em algumas páginas histórias que dariam um verdadeiro romance nas mãos de um escritor mais verborrágico. Dizem que ele era tão sucinto em decorrência da cegueira. Sem poder escrever suas histórias, Borges as
redigia na cabeça, parágrafo por parágrafo, frase por frase. Quando finalmente achava que os contos já estavam lapidados, ele os ditava para sua secretária. Em outras palavras, ele transformou sua principal dificuldade, a cegueira, em mérito.
A capacidade de concisão de Borges deveria servir de exemplo para todos os outros escritores ou para qualquer um que queira escrever um texto. Afinal, se podemos expressar algo com 20 palavras, por que usar 50?
A segunda razão são as metáforas. Borges era um espírito enciclopédico. Seus conhecimentos, e sua capacidade de raciocínio eram espantosos. E ele colocava isso em suas histórias, na forma de metáforas. A teoria da informação, por exemplo, encontrou no conto “Funes, el memorioso”, uma excelente metáfora do processo de percepção humana. Funes era um indivíduo de memória fantástica. Ele não só se lembrava de cada folha de cada árvore pela qual já havia passado, como
também de cada uma das vezes que a havia visto ou imaginado. O poder de percepção de Funes não conhecia restrições.
Entretanto, para Borges, Funes era incapaz de pensar, pois pensar é “esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No abarrotado mundo de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos”.
O conto oferece uma belíssima metáfora da percepção humana. Percebemos o mundo à nossa volta através de modelos. Vemos um objeto no céu munido de asas e pensamos num pássaro ou num avião. As leis, como a lei da gravidade, são generalizações que contém menos infor-
mação que os eventos às quais se referem. Pensar é descobrir padrões, semelhanças. Para um cientista que pretenda classificar os gatos importa menos o que eles têm de diferente e mais o que eles têm de semelhante.
Por esse exemplo pode-se ter uma idéia de por que até mesmo matemáticos se debruçam sobre a obra de Borges, procurando metáforas reveladoras sobre a realidade.
É que Borges não era só um escritor. Ele era também um filósofo, um semiótico, um matemático, um pesquisador da filosofia da ciência.Mas, apesar de toda a sua sabedoria, e talvez por isso mesmo, ele era um indivíduo bastante humilde. Quando um repórter lhe disse que ele
era um gênio, Borges replicou: “Não creia. São calúnias”.

3 comentários:

Diniz Sena disse...

Ivan, tenho um amigo que tem um álbum do Ben-Hur de 1950 e tá querendo saber o valor dele hoje, vc sabe alguma coisa sobre estes assuntos? Pensei em vc qdo ele me falou pela sua ligação com HQ.

Taí o link do blog dele e das imagens do álbum: http://franciscodourado.blogspot.com/

Gian Danton/Ivan Carlo disse...

Diniz,
eu confesso que não tenho a menor idéia do valor. Não sei exatamente como funciona o mercado de figurinhas...Se fosse quadrinhos, poderia até ajudar...

Alcinéa Cavalcante disse...

Realmente ele era o máximo. É um dos meus preferidos. Tenho as Obras Completas dele e volta e meia estou relendo.