sexta-feira, maio 28, 2010

Os quadrinhos e o castelo do Graal

No livro HE, o psicólogo norte-americano Robert Johson explica a psicologia masculina através do mito da busca do Santo Graal. O personagem principal é o jovem Percival, um cavaleiro da Távola redonda.

Certo dia, durante suas andanças, ele entrou em um castelo belíssimo e imponente. Era ali que estava o Santo Graal, o cálice usado por Jesus durante a última ceia.
Todos o recepcionaram muito bem e ele se sentiu feliz e maravilhado com os poderes do Graal. O cálice podia, por exemplo, fazer surgir a comida que o convidado desejasse. E podia também curar qualquer ferida.

Na manhã seguinte, quando acordou, ele não encontrou mais ninguém no castelo. Estava completamente abandonado, e ele teve de ir embora.
Percival passaria o resto de sua vida tentando encontrar novamente o castelo do Graal.
Para Robert Johnson, o episódio é uma metáfora de algo que ocorre com todos os jovens durante a fase da pré-adolescência.
Essa é uma fase particularmente difícil, pois o menino não é mais uma criança, mas ainda não é adulto.
Todos os meninos entram no castelo do Graal ao menos uma vez na vida e essa experiência irá marcá-los pelo resto da vida. Assim como Percival, eles passarão o resto da existência tentando voltar para o castelo.
O que tudo isso tem a ver com quadrinhos?
Pare para pensar. Se tem mais de vinte anos e continua gostando de quadrinhos é porque há uma boa lembrança associada a eles.
Em outras palavras: muitas pessoas - e eu entre elas - entraram no castelo do Graal graças aos quadrinhos.
Tenho conversado leitores de gibis e todos eles têm algum episódio semelhante ao de Percival.
José Aguiar, desenhista da Manticore, saía de casa todos os dias de manhãzinha com sua bicicleta e ia direto para um sebo próximo de sua casa, onde ele comprava ou trocava gibis.
Essa experiência o marcou profundamente e eu não tenho dúvida nenhuma de que esse foi um dos fatores que o influenciaram a se tornar desenhista.

Lembro que quando estávamos na sétima série a revista preferida de todos era a Superaventuras Marvel. Nós sabíamos a data em que ela chegava nas bancas e saíamos correndo para ver quem chegava primeiro.
Como tinha pouco dinheiro para comprar gibis, eu usava de um estratagema. Eu conhecia um sebo que ficava próximo da Igreja e que vendia revistas a preço de banana. Eu passava lá todo Domingo e comprava as Heróis da TV, que uma amigo da escola colecionava. Depois eu vendia para ele, pelo dobro do preço, mas antes eu lia e relia a revista e esses momentos eram tão sagrados que me faziam esquecer a chateação que era ser obrigado a ir à igreja.
Aquela experiência - comprar a revista e nem esperar chegar em casa para começar a lê-la - era uma verdadeira entrada no castelo do Graal.
Só com a saga da Fênix foram centenas de entradas no castelo do Graal, até porque os X-Men, assim como a busca do Cálice Sagrado, são um mito sobre o fim da infância (prometo falar sobre isso em outro artigo).
Cada vez que eu leio uma HQ é como se eu estivesse voltando àquela época mágica da pré-adolescência.
E quando escrevo histórias, fico imaginando que talvez eu esteja proporcionando a outros garotos as mesmas sensações que eu sentia lendo quadrinhos.
É interessante notar que o tipo de quadrinho que você lê na pré-adolescência vai influenciar seu gosto pelo resto da vida.
O desenhista Antonio Eder odeia super-heróis. Também, pudera: ele passou toda a pré-adolescência lendo revistas Kripta e nesse período nunca botou os olhos num gibi de super-heróis.
O desenhista Bené Nascimento (Joe Bennet) passou essa fase lendo HQs do Jack Kirby. Hoje ele compra qualquer coisa sobre o velho Jack, até caríssimos fanzines importados.
Pare um instante e pense. Se você gosta de quadrinhos, é bastante provável que você tenha, em algum momento, entrado num castelo do Graal feito todinho de histórias em quadrinhos.

4 comentários:

jjmarreiro disse...

Que texto fantástico Gian! Vai direto no cerne da questão. O fascínio que encontramos naquele período de sonhos infantis fica gravado na memória emocional.

Quando eu era criança não existiam shoppings, mas tinha um playtime no aeroporto e uma banca chique que tinha até revistas importadas. E desde aquela época uma coisa ficou gravada na minha memória, o cheiro de revista nova....Hoje as revistas não tem o mesmo cheiro...algumas até fedem! Hahaha!

EXCELCIOR!

Gian Danton/Ivan Carlo disse...

JJ,
vc falou isso de cheiro... Até hoje, adoro cheiro de madeira pq alguns dos primeiros álbuns europeus que li foi na biblioteca da fundação Curro Velho, em Belém, que era toda feita em madeira de lei. E sempre que sinto cheiro de madeira me dá vontade de ler quadrinho europeu. Skinner explica...

Gilberto Queiroz disse...

Fala, Gian! Nunca havia pensado sobre isso. Muito bacana! Isso explica muita coisa mesmo. E esse lance do cheiro de madeira te dar vontade de ler quadrinhos é pura âncora da meurolinguística. E acho que a pré-adolescência e adolescência são muito propícios para criarmos e consolidarmos muita âncoras.
Estou lendo seu blog aos poucos. Parabéns pelos textos.
Abração,

fernandes disse...

Lembro-me de um dia, ainda frequentava o 1° ano do ensino Médio, um amigo e eu fomos acompanhar um colega nosso a um consultório médico, ele iria marcar uma consulta. Chegamos, e enquanto ele conversava com a atendente, eu conversava com meu amigo, quando de repente, como que de relance ou por um choque neural, vi um pedaço de uma lombada colorida, de uma revista, junto com umas outras, que estavam amontoadas num criado de plástico, próprio pra revistas.
Soltei um longo suspiro de surpresa e de espanto, que todos do consultório pôde perceber, e fui rapidamente fuçar a pilha de revistas, até que para a minha alegria encontrei 2 números de SuperAventuras Marvel, bem antigas, com história dos X-men, uma enorme raridade pra minha cidade. Tomado pela euforia, e segurando os 2 achados na mão, firmemente, fui perguntar para a secretária, se ela me vendia aquelas revistas, estava realmente disposto a pagá-las. Até que ela, vendo a minha paixão pueril, e também percebendo que as revistas eram velhas demais, e ninguém as sentiria falta, decidiu então me dar elas...
Claro que os meus colegas que estavam do meu lado ficaram assustados com a minha reação perante àquela minha descoberta... Mas foi pra mim foi emocionante. No mesmo dia devorei as preciosidades, e as guardei no canto especial da minha memória...

:]

Abraços!